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Como ler Lacan?

A obra de Lacan é majoritariamente oral, tendo sido construída ao longo de 30 anos de seminários, organizados posteriormente por J.-A. Miller em publicações feitas a partir das gravações desses seminários, ainda não publicados em sua totalidade. 

Todos nós que não estivemos nos seminários de Lacan, nos inteiramos de sua teoria através do texto escrito por Miller e não por Lacan, o que deu margem a uma série de críticas (muitas das quais procedentes), por parte daqueles que presenciaram seu ensino oral, ou pelo cotejamento da versão oficial com as transcrições que alguns diferentes grupos de analistas foram disponibilizando pela internet ao longo do tempo. Sim, há diferenças, e mesmo diferenças importantes, mas isso não constitui obstáculo para a transmissão da psicanálise, antes propiciando a oportunidade de o leitor se engajar na obra, contribuindo também ele com os interstícios do debate.

Os “Escritos” e os “Outros Escritos” de Lacan, embora extensos, advêm em grande parte de palestras e conferências proferidas por ele, tendo sido escritos para serem lidos, falados, portanto. Em Lacan, quase nada é exclusivamente texto escrito.

Ler Lacan, então, é antes de mais nada, escutar sua voz, tentando recuperar a fala por trás do escrito. Esse movimento nos obriga a uma torção que expõe o reverso da escuta clínica através da qual se lê o escrito por trás da fala. A leitura da obra lacaniana, nessa perspectiva, constitui parte integrante da formação do analista, fato que Lacan não cansa de repetir. Seu ensino é feito para formar analistas. Ele não é mero ensino acadêmico, cujo objetivo é transmitir um conhecimento. Ele é ensino formador pois promove um ganho de saber, exigindo a intermediação subjetiva. Formar-se analista, estando apto a ocupar o lugar de onde um ato pode ser eficiente, requer uma reformulação no modo da escuta, uma reforma do modo de pensar racional, intuitivo, de forma que a fala seja eficaz lá onde a linguagem encontra seu limite.

Ao mesmo tempo, o leitor de Lacan é convocado a dar de si, a escolher uma direção através da qual se orientar no texto, tornando-se, também ele, autor de uma determinada amarração teórica, com o que faz avançar a psicanálise.

O modo de leitura que a obra de Lacan instiga, é formador do psicanalista por apurar sua escuta e provocar sua produção teórica.

Formação e transmissão são verso e reverso de uma mesma questão, tributária do modo como lemos Lacan, pois do leitor ao autor um estilo se forja, um analista se forma e o impossível se transmite.

A leitura da obra de Lacan é incontornável na formação do analista que só se constitui analista no próprio ato de sua queda, voltando a recolocar-se no lugar de onde opera, através de uma formação sempre continuada.

A isso se propõe a “Leitura da Obra de Jacques Lacan”, que aqui na ACP é uma atividade comprometida com a transmissão da psicanálise como formação do analista e não como ensino acadêmico.

 

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